A viagem de Chihiro apresenta um processo de individuação nas imagens e história da personagem Chihiro.
Chihiro inicialmente apresenta-se deitada dentro do carro dirigido pelos pais, o que vai representar justamente os complexos paterno e materno que dirigem a vida até um certo período da vida. Eles estão de mudança para um novo lugar decidido pelos pais, o pai conversa dizendo “Vamos aprender a gostar daqui”, frase bem característica do complexo paterno que inibe o desenvolvimento individual e força o “gostar” de acordo com a necessidade da vida em detrimento das escolhas individuais.
As flores dadas pelas amigas estão morrendo caracterizando a morte da identificação dos pares antes conquistada por Chihiro e que é algo que é esperado no período da adolescência quando o envolvimento com o grupo é importante para construção do ego e que necessita da identificação em relações horizontais e fraternas, porém o complexo paterno quando “domina” as vontades do ego faz com que essas identificações sejam menos valiosas, e esvaziando a possibilidade de uma escolha própria e original.
Quando ela julga a escola que irá estudar apenas de olhá-la de fora do carro, demonstra o quanto o ego estava em formação anterior e foi interrompido pelas escolhas dos complexos parentais. Neste momento a mãe de Chihiro conversa com ela e apresenta um discurso do complexo materno positivo que vai ponderar a observação da filha de ter recebido flores somente na despedida e pontuando que ela também recebeu uma flor em seu aniversário, ou seja, dando uma percepção mais sensata sobre sua individualidade e complexo egóico que estava em regressão naquele momento.
O pai que simboliza o complexo paterno negativo se perde durante o caminho, o pai vai em um caminho bem tortuoso com velocidade máxima, ocasião que pai e mãe são os únicos ouvidos, ou seja, não há intervenção de Chihiro. Ao chegar num túnel eles param e começa a jornada de Chihiro para dentro do inconsciente. Um complexo paterno exigente e irresponsável vai possibilitar ao ego iniciar a sua própria jornada interior.
Chihiro fica com medo desta entrada, porém os pais declaram que querem ir, normalmente é o que ocorre em um processo de individuação, já que o eu sente-se ameaçado frente ao inconsciente desconhecido outros complexos precisam incentivar ou forçar um abandono para dentro do interior inconsciente, a necessidade de manter o mesmo padrão de funcionamento antigo força o eu a encarar o desafio de maneira medrosa, é pela necessidade de ter que encarar a mudança mais do que um interesse em mergulhar no próprio processo que a individualidade é construída.
Ocorre assim a necessidade iminente de mudança, porém o medo de que essa mudança aconteça faz o eu ir ao “mundo dos mortos” para assim entrar em uma jornada única e individuar-se.
Caso a Chihiro não tivesse ido e sim ficado no carro, ela se separaria dos complexos materno e paterno, porém de maneira brusca o que a tornaria um eu despreparado e infantil para lidar com o mundo.
Ela permanece grudada ao complexo materno, simbolizado pela mãe muito comum quando acontece processos de crise o sujeito grudar-se no que a mãe ou o pai falam ou falaram em algum momento.
Neste parque temático vemos que os pais de Chihiro acabam comendo, ou seja, complexos paternos e maternos gulosos que se servem de tudo que há de “nutritivo” neste inconsciente pessoal, eles acabam ficando neste local. São exemplos de complexos parentais se energizando no inconsciente e se tornando misturados a aspectos instintivos e indiferenciados.
Dessa forma, Chihiro afasta-se dos pais e se depara com seu lado contra-sexual Haku (animus) que briga com ela e ao mesmo tempo a ajuda a sair do local, parece um aspecto de animus positivo. Ao anoitecer, Chihiro começa a visualizar fantasmas, portanto já está no mundo dos mortos.
Ao encontrar os pais eles estão já como porcos, portanto ela acaba diferenciando-se deste contato simbiótico com os pensamentos dos pais, ao se deparar com sua própria parte contra-sexual (animus). Ela entrou em contato já com conteúdos inconscientes e se diferenciou de algum modo, o que implica na impossibilidade de ver os pais como antes, e sim com reações mais instintivas e ligadas ao histórico antigo que não mais a representa, ela já iniciou sua jornada, não tem mais volta.
O ego está em crise, não quer realizar a jornada, normalmente é quando as pessoas buscam o processo de psicoterapia. Neste momento Chihiro está sumindo, ficando transparente, conteúdos inconscientes estão invadindo sua consciência.
O Animus (Haku) aparece novamente e oferece algo para ela comer, ou seja, ela precisa comer para pertencer a esse mundo inconsciente, como no mito de Perséfone e a romã oferecida por Hades. É interessante o diálogo dele “se você não comer vai acabar desaparecendo”, ou seja, seu ego será reduzido a nada, vai sumir. Seu animus a ajuda e sinaliza que não pode ver os pais ainda, mas depois vai vê-los, anunciando a sua jornada. O Animus como porta para o inconsciente conhece a jornada. Ele como guia conduz o ego para dentro da individuação, passando pelos porcos que representam complexos indiferenciados e famintos.
Prender a respiração enquanto passa pela ponte, se respirar uma vez quebra o feitiço e aspectos do inconsciente irão vê-la, portanto para se entrar no inconsciente precisa estar totalmente introvertido, inspirado. Na ponte para entrada ela se depara pela primeira vez com sua sombra, posteriormente ela terá um contato maior. No final da ponte ela acaba se assustando e respira o que faz com que a enxerguem, ela se culpa para seu animus que positivamente a incentiva. Neste momento o animus precisa a abandonar e ela terá que fazer a jornada sozinha, o animus explica que ela terá que trabalhar naquele local, caso contrário ela irá se transformar em um animal, ou seja, a jornada de individuação exige o esforço do ego para diferenciação dos instintos e o trabalho faz essa diferenciação. Será necessário insistir para ser aceita, alerta o animus.
O ego então faz a decida medrosa para a fornalha, ou seja, o fogo (calcinatio) e a energia vital, lá ela encontra um homem mais velho (Kamaji) com muitos braços e pernas, ele é representante de um inconsciente que não precisa da consciência para existir, o trabalho do ego em algo que não foi “autorizado” representa um trabalho que deixa outros aspectos “preguiçosos”, ou seja, atrapalha o desenvolvimento do inconsciente e faz ele trabalhar de modo falho.
Nesse momento chega uma mulher (Li) que alimenta esse idoso ela percebe que existe uma humana e diz que o “inconsciente”(mundo lá fora) está uma loucura devido a presença dela. O homem idoso diz seu grau de parentesco com o ego, chama esse ego (Chihiro) de “neta”, portanto, informando que ela precisa pedir emprego para outro instância, ela então segue essa mulher que diz que ela não precisa de sapatos, representando o despir dos aspectos do passado de Chihiro.
As duas irão subir no elevador (sublimatio), no céu ela vai encontrar uma mulher mais velha (Yubaba), e pede um trabalho, essa mulher só a desqualifica, fala todas as coisas ruins sobre ela, como um falso self, um contato com um self negativo faz isso com o ego, o desqualifica, porém como um self negativo precisa lidar com aspectos infantis, ligados a imaturidade e dificuldade de se estabelecer no mundo.
A insistência do ego em trabalhar, não perdendo o foco e o objetivo faz com que a jornada de individuação continue. O self negativo também troca o nome do ego, a desindetinficando cada vez mais com seu mundo consciente, para assim o ego se perca no mundo inconsciente durante a jornada, fazendo com que a transformação e a jornada do herói continue.
O aspecto negativo do self (Yubaba) chama o animus (Haku) outrora positivo para ajudar (Chihiro) o ego. O animus está muito diferente daquele bonzinho de outro momento, o contato do animus com um self negativo o torna negativo a ponto do ego não reconhecê-lo.
Porém, o self negativo (falso self) quando sai de cena, o animus deixa esse aspecto negativo e volta a ajudar e inclusive lembra Chihiro dos pais, o mais interessante neste momento é a necessidade de colocar os sapatos de antes, ela está com a roupa toda trocada, ou seja, indiferenciada, mas precisa colocar os sapatos antigos para ir visitar os pais.
Ela passa pela ponte e pela sombra e segue o animus, ao entrar na pocilga tenta localizar os pais que estão totalmente indiferenciados, junto com vários porcos.
O animus (Haku) devolve as roupas antigas e um cartão para que Chihiro não esqueça seu nome (ego) e não se perca na jornada pelo inconsciente. Esse diálogo é incrível, ele diz “se ela roubar seu nome você nunca mais vai achar o caminho de casa”.
Neste momento ela chora muito e come o que é oferecido pelo aspecto anímico, integrando tudo que está acontecendo, em seguida começa a trabalhar. Ao encontrar a sombra deixa a porta aberta para que esse aspecto entre, a sombra entra na casa. A sombra a ajuda a realizar a tarefa solicitada pela mulher. A sombra oferece vários recursos dos quais ela não precisa naquele momento, essa sombra simbolizada pela ganância e gula que vai exercer influência sobre o ego.
Algo se aproxima, algo sujo, e o ego ficará responsável em lidar com esse aspecto (complexo), os recursos conquistados pela sombra são usados naquele momento. Interessante o self controlando a situação e o “espinho” que estava aglutinando todos os “lixos” ao redor de uma figura interessante e que espalha ouro por todo o canto, portanto simbolizando a riqueza de lidar com um complexo e quando ele esvazia os ganhos egóicos são muito, mas que acabaram sendo apropriados pela sombra, que vai roubando toda energia do inconsciente, oferecendo ao ego (Chihiro) todo esse ouro que ela nega, porque não interessa para o ego naquele momento lidar com a questão financeira. Isso demonstra o quanto de humildade que é necessário durante a jornada, o ego precisa somente do que é necessário para completar sua jornada.
Nesse momento Chihiro vê seu animus como animal, ou seja, ele se perdeu e acabou contaminado por aspectos instintivos perdendo suas características humanas, isso acontece em alguns caminhos de individuação. O ego vai até o self negativo subindo pela escada e se depara com o aspecto infantil e o self (idosa) que tenta proteger esse aspecto infantil, a superproteção dessa imaturidade e criança mimada que mobiliza esse falso self.
Neste momento aparece um aspecto de self positivo, que tem a mesma aparência que a negativa e lida com o lado imaturo e infantil da personalidade o que torna esses complexos menores, e inofensivos. Esse self positivo se auto denomina irmã gêmea dessa mulher idosa (Zeniba).
O aspecto imaturo volta a existir de modo forte (mas não é verdadeiro, depois é demonstrado que a imaturidade já foi combatida) e o dragão (animus) e Chihiro caem nas profundezas do inconsciente e em seguida na casa do homem que estava comandando a fornalha, ela dá uma comida para o dragão (animus animalesco) e precisa “controlar” esse aspecto anímico ferido e que possuía dentro dele um objeto da irmã do falso self, representando o quanto que a integração de aspectos do self negativo pode tornar o animus negativo.
Chihiro recebe a passagem para o trem do homem idoso (Kamaji), ligado a fornalha e que havia chamado ela de neta em outro momento, Chihiro terá que ir ao fundo do pântano devolver o objeto da irmã gêmea (Self verdadeiro). O homem mais velho conta que o trem é somente de ida e que antes tinha ida e volta, o que demonstra essa ponte ego-self interrompida.
Antes Chihiro terá que lidar com a sombra que está engolindo tudo e enorme, um falso self irá culpar o ego por esse crescimento da sombra, não sabendo lidar com as adversidades e cobrando do ego um movimento, não oferecendo continência para a integração da sombra, Chihiro faz a sombra integrar aspectos dando algo para ela comer, ela fica do tamanho normal e assim passa a acompanhar o ego em sua jornada pelo pântano. Integração da sombra.
Esse aspecto de self é ambicioso, ligado a infância e que na realidade não era mais o bebê e o infantil já havia sido esvaziado pelo self verdadeiro e positivo. O self negativo (Yubaba) sem o contato com o imaturo entra em desespero, perder as características da infância enfurece esse falso self, o animus oferece trazer o aspecto imaturo de volta em troca de libertar Chihiro e seus pais.
Chihiro encontro uma casa a qual é muito bem recebida, essa mulher idosa gêmea do falso self, porém verdadeiro aspecto da personalidade informa para Chihiro que quem colocou o aspecto negativo e contaminou Haku (animus) foi a irmã, ou seja, o aspecto negativo do self. Esse contato com a irmã gêmea que ela estava com medo de encontrar na realidade foi extremamente acolhedor como o self verdadeiro e positivo dentro da personalidade. Representa o medo de entrar em contato com uma mudança e que na realidade quando o ego ganha seu curso verdadeiro as coisas parecem fluir.
O self (Zeniba) então dá a notícia “decepcionante” para o ego que ele que tem que cuidar dos pais e do animus, ou seja o self não irá adotar o ego como uma criança mimada e que a responsabilidade agora é do ego (eu). A sombra e os outros aspectos estão tricotando, formando um tecido o que é bastante simbólico dentro de um aspecto de self construindo algo com outros complexos. Nesse momento aparece o dragão (animus) que está bem, não mais ferido.
No momento de despedida do verdadeiro e positivo self (irmã gêmea) fica com a sombra para ajudá-la. Chihiro conta seu nome para o self positivo (Zeniba), e também lembra o animus do seu verdadeiro nome e o liberta do instinto que o tornava animalesco (dragão).
O bebê (aspecto imaturo) se apresenta novamente para o self negativo e pede para que ela cumpra o que havia prometido, libertar Chihiro (ego da sua infantilidade) e os pais de Chihiro.
O falso self (Yubaba) pede que o ego (Chihiro) diferencie os complexos parentais e ela consegue assim dizer que os pais não estão mais no instinto, ou seja, já se diferenciaram. O animus diz que não pode seguir com Chihiro, e ela vai encontrar os pais que passam pelo túnel como se nada tivesse acontecido. Chihiro volta para o carro.
Esse desenho japonês apresenta uma possível viagem de individuação, o interessante é a possibilidade do contato com animus, sombra e outros aspectos que acontecem sem uma ordem definida, como de fato é na vida.